Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia
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Ponto contra ponto

Os ginecologistas devem realizar procedimentos vulvares cosméticos?

Resumido por Carolina Corsini

Am J Obstet Gynecol. 2014 Sep;211(3):218-218.e1. doi: 10.1016/j.ajog.2014.06.020.

Aos mesmo tempo em que o ginecologista é desencorajado pelas sociedades médicas para realizar procedimentos vulvares cosméticos, o treinamento cirúrgico e a experiência na região anatômica sugerem que ele seja o profissional mais bem preparado para executar esse tipo de cirurgia. Embora dados de eficácia e segurança estejam surgindo, a literatura ainda é pobre neste assunto. Este debate aborda o tema do papel do ginecologista na realização da ninfoplastia cosmética (redução de pequenos lábios vulvares).

Nós somos os médicos corretos para tratar mulheres que desejam fazer ninfoplastia

Rachel N. Pauls

É crescente o número de mulheres que solicitam a redução dos lábios vulvares. Fatores como mudanças culturais (80% das mulheres realizam, atualmente, remoção total ou parcial dos pelos pubianos), maior visibilidade da vulva (maior acesso às imagens através da internet) e maior preocupação com o bem estar sexual contribuem para esta demanda. Embora os contornos naturais dos pequenos lábios variem em simetria, comprimento e largura, nossa sociedade considera “normais” os lábios pequenos, simétricos, sem protrusão.

Apesar de nós, ginecologistas, não nos vermos como cirurgiões plásticos, a ninfoplastia (ou labioplastia) não pode ser vista apenas pelo prisma estético.

Os princípios da ética médica consideram a autonomia, a não maleficência, a beneficência e a justiça no tratamento de pacientes. Autonomia afirma que uma pessoa adulta sem deficiência mental tem a decisão final com relação aos procedimentos médicos recebidos. É importante entender a lógica que está por trás da decisão da mulher. São comuns queixas como desconforto durante a prática de atividade física, dificuldade no ato sexual e vergonha do próprio corpo. A baixa autoestima pode levar a prejuízo da qualidade de vida, do bem estar geral e a disfunções sexuais.

O segundo princípio da ética médica é a não maleficência. Os lábios vulvares são inervados ao longo de sua borda e apresentam núcleo erétil. No entanto, o papel dos pequenos lábios na resposta sexual não é confirmado. Por outro lado, a satisfação após este tipo de cirurgia é extremamente alta (90 a 100%). A ninfoplastia apresenta baixo índice de complicações (2 a 6%), sendo em sua maioria de baixa complexidade. Estas taxas são muito menores que as apresentadas por outros procedimentos cosméticos amplamente aceitos.

A beneficência dita que prestadores de serviços médicos devem agir visando o melhor interesse dos pacientes e estar familiarizado com as técnicas apropriadas. Como ginecologistas, entendemos a anatomia da região e estamos acostumados a fazer cirurgias na vulva e na vagina, o que nos deixa confortáveis ao realizar este tipo de procedimento. Por fim, a justiça afirma que estas cirurgias não devem usar recursos desnecessários.

Nós, como ginecologistas, podemos orientar nossas pacientes sobre a ampla variedade de tamanho e simetria dos lábios vulvares e aconselhar sobre os riscos da cirurgia. No entanto, também devemos estar cientes de que, apesar de toda a orientação, as mulheres ainda podem vir a apresentar stress psicológico, baixa autoestima e diminuição de libido se sua condição não for devidamente atendida e que essas mulheres continuarão a procurar ajuda. Em tais situações, devemos nos sentir seguros oferecendo tratamento a essas pacientes. Com base nos resultados tranquilizadores e baixo índice de complicações, é possível respeitar a autonomia, sem deixar de preservar a não maleficência.

Muitas mulheres que se submetem a ninfoplastia vulvar apresentam anatomia vulvar normal; nós não devemos fazer ninfoplastia.

Rebecca G. Rogers,

O aumento na demanda pelas cirurgias cosméticas vulvares tem justificativa na crença que muitas mulheres tem de que sua vulva é anormal. Mas qual é a definição de lábios vulvares normais? Nós sabemos, através de estudos limitados mas ampla experiência clinica, que existe um amplo espectro de variação em relação ao tamanho dos lábios vulvares, simetria e coloração. Defensores da ninfoplastia prometem criar lábios pequenos, simétricos e que ficam escondidos sob os grandes lábios, semelhantes aos apresentados por meninas pré-púberes. Na verdade, a simetria entre os lábios é rara nas mulheres adultas, enquanto os pequenos lábios frequentemente são protrusos. Os defensores do procedimentos também alegam que ele promove melhora da função sexual e da autoimagem, no entanto, os poucos estudos disponíveis não confirmam que a cirurgia promova melhora sexual para a mulher ou seu parceiro, enquanto propagandas na internet anunciam inúmeros benefícios físicos, psicológicos e sexuais associados.

A Organização Mundial de Saúde define como mutilação genital qualquer cirurgia que remova total ou parcialmente a genitália externa não justificada por motivos médicos. Claro que a mutilação genital é geralmente realizada em crianças que não consentiram com o procedimento, enquanto a ninfoplastia é realizada em mulheres adultas com o consentimento das mesmas, no entanto, não há indicação médica para o procedimento. É questionável, portanto, se a propaganda que advoga melhora na qualidade de vida após a ninfoplastia não seria mais uma forma de exploração da vulnerabilidade social das mulheres.

Os defensores da ninfoplastia geralmente citam o princípio da autonomia, explicando que as mulheres tem o direito de optar ou negar qualquer tratamento, inclusive a ninfoplastia. A autonomia deve ser levada em conta contra os outros direitos da mulher, como a beneficência, a não maleficência e a justiça. A “beneficência” é definida como a ação, por parte dos médicos, visando o melhor interesse da paciente; a “não maleficência” visa que os médicos devem, a princípio, não causar danos ao paciente; e a “justiça” visa que se evite o gasto de recursos desnecessários. A confiança de nossas pacientes é baseada no princípio da beneficência; elas devem acreditar que não haverá benefícios financeiros ou de outra origem para o médico que realizar o procedimento. Porém, a ninfoplastia, muitas vezes realizada em conjunto com outros procedimentos cosméticos, acaba se tornando um procedimento caro para a paciente a altamente lucrativo para o cirurgião. Infelizmente, a grande quantidade de propagandas relativas ao procedimento nos faz questionar as reais motivações por trás da pratica.

A ninfoplastia ainda não está totalmente de acordo com o princípio da não maleficência. A maioria dos artigos referentes ao procedimento são relatos de caso ou opiniões de especialistas escritos por defensores da cirurgia. Apesar dos riscos da ninfoplastia serem descritos como pequenos, enquanto não houver dados prospectivos comparativos com resultados validados, a eficácia e a segurança do procedimento permanecerão incertas. Por fim, são injustos os custos de uma cirurgia que não possui indicação médica e com eficácia e segurança não comprovadas.