Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia
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Vacina – Vacinas para prevenção do câncer cervical

Wheeler, c.m . Preventive vaccines for cervical cancer. Salud Publica Mex , v.39, p.283-7, 1997.

O câncer cervical representa uma das primeiras causas de morte em mulheres em todo o mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Em alguns países, implementação de programas de rastreamento baseados na colpocitologia oncótica tem resultado em significante redução na incidência do carcinoma cervical.; contudo o gerenciamento das anormalidades cervicais levam a um significante interesse e encargo financeiro à saúde pública. Esforços em se produzir vacinas para prevenção do câncer cervical são freqüentemente focalizados na utilização de produtos genéticos do papilomavírus humano (HPVs). Há mais de 75 tipos diferentes de HPV e aproximadamente 35 deles infectam o trato genital. HPV é o agente etiológico envolvido com o desenvolvimento de mais de 90% dos carcinomas cervicais e suas presumidas lesões precursoras, as neoplasias intraepiteliais cervicais. Os HPVs também estão associados com outros carcinomas anogenitais tais como anal, vulvar e peniano. Uma vacina capaz de prevenir a infecção inicial, ativa ou persistente pelo HPV pode reduzir os custos de assistência associados com o gerenciamento de anormalidades citológicas e a morbidade e mortalidade atribuíveis aos carcinomas anogenitais associados ao HPV.

Tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, uma vacina efetiva para profilaxia do HPV representa uma estratégia desejável para reduzir a incidência de câncer cervical.

O controle das seqüelas oncogênicas da infecção pelo HPV é uma das razões para a vacinação. Esforços iniciais para o desenvolvimento das vacinas para HPV terão como alvo mais provável as manifestações precoces das infecções pelo HPV que representam significante problema de saúde pública e oferecem mais facilidade de se alcançar os objetivos propostos.

Estratégias Vacinais

Uma vacina efetiva deve ser planejada para estimular resposta imune apropriada e atingir quatro objetivos: a) ativação de antígenos presentes na célula; b) superar a resposta do hospedeiro e a variabilidade genética viral na resposta das células T; c) geração de altos níveis de células B e T de memória; e d) persistência dos antígenos.

Proteção contra infecções virais pode ser adquirida também criando-se barreira imunológica no local de entrada do vírus, ou secundariamente pela prevenção de infecção bem sucedida uma vez que a entrada do vírus na célula já ocorreu. A criação de barreira imunológica no local de entrada do vírus pode ser adquirida presumivelmente pela IgA gerada contra as proteínas do capsídeo viral do HPV, L1 e L2. Estratégias vacinais que focalizam o local da entrada do vírus podem também incorporar o alcance da imunidade contra o receptor de ligação viral nos vírions infectantes.

Não existem bons dados identificando as respostas imunes às proteínas específicas do HPV que são relevantes para imunidade protetora. Adicionalmente, não está claro se vacinas são capazes de induzir resposta imune efetiva em indivíduos que tornaram-se persistentemente infectados pelo HPV, além de que esta persistência pode indicar uma inabilidade constitucional em reconhecer determinantes virais de importância. Nota-se que anticorpos neutralizantes podem ser detectados usando culturas de células obtidas do soro de indivíduos portando infecção pelo HPV. A prevalência de anticorpos neutralizantes seguindo a infecção pelo HPV em humanos e sua relevância protetora precisa ser estabelecida.

A propagação in vitro dos HPVs foi bem documentada; contudo estes sistemas não produzirão, no momento, quantidades adequadas de vírions com objetivo de vacinação. Mesmo se quantidades adequadas de HPVs atenuados possam ser gerados, eles podem não ser desejáveis do ponto de vista de que seus genomas carregam genes transformadores. A vacina experimental mais encorajadora resulta de modelos animais. Nesses modelos, a profilaxia pode ser induzida pelas proteínas de capsídeo L1 e L2. Essas proteínas (recombinantes) que se reúnem nas virus-like particles (VLPs) podem ser produzidas em larga quantidade em bactérias, insetos, leveduras e outros sistemas celulares eucarióticos. Essas VLPs podem ser de grande utilidade como vacinas em três modelos animais, incluindo o cão (beagle), o coelho e a vaca. As VLPs mimetizam a conformação dos vírions nativos, podendo produzir respostas de anticorpos neutralizantes tipo-específicos em animais e pode ser neutralizado por soro humano em ensaios baseados em culturas de células. Imunização com 0,01 m g de VLP L1 papilomavírus canino oral (COPV) protegem cães da infecção após ativação de vírus vivos. Imunização com proteínas de capsídeo L1 não protegem contra a ativação com COPV vivos, demonstrando a importância dos epítopos conformacionais para a eficácia das vacinas de VLP. Adicionalmente, a resistência aos vírus vivos ativados pode ser transferida para um animal nativo pela transferência de soro de um coelho imunizado com VLPs de papilomavírus do pêlo da cauda de coelho (CRPV).

Infecções pelo papilomavírus podem também ser prevenidas nos modelos com vacas e coelhos pela imunização independente com a proteína de capsídeo L2 isolada. A proteína L2 quando incorporada nas VLPs L1 não parece aumentar a imunogenicidade da partícula VLP como um todo, quando comparada com as VLPs que contém L1 isolada, embora a estabilidade da partícula possa ser aumentada.

Embora vacinas para HPV baseadas nas VLPs sejam promissoras, vacinas de polinucleotídios usando plasmídeos de DNA não-replicantes codificando antígenos virais podem trazer vantagens. Em modelos animais, vacinas de influenza baseadas em DNA têm trazido um meio pelo qual a imunidade mediada por células pode ser induzida. Estudos usando CRPV demonstraram anticorpos neutralizantes conformacionalmente específicos e imunidade protetora derivada da imunização com DNA codificador para a proteína L1 do CRPV. Adicionalmente, uma vacina de DNA baseada na E6 CRPV mostrou ser efetiva, recentemente, na prevenção de lesões induzidas pelo vírus. Estes resultados sugerem que as vacinas de DNA merecem consideração como alternativas potenciais para a vacinação de humanos contra HPVs, principalmente quando se leva em consideração a mutiplicidade de tipos de HPV capazes de causar doença.

Tanto os vetores virais quanto os bacterianos estão sob avaliação para a vacinação específica contra o HPV. Vetores virais atenuados incluindo adenovírus e vaccinia vírus, e vetor bacteriano como a Salmonella estão sendo estudados extensivamente pela sua habilidade de provocar imunidade de mucosas.

Ainda não foi identificado um receptor de ligação para o HPV; contudo, dados experimentais indicam que muitos papilomavírus utilizam um receptor comum. Imunidade específica para esses receptores poderão superar a provável necessidade de vacinas multivalentes para HPV. É provável, contudo, que esses receptores para HPV, estejam protegidos do acesso e reconhecimento imunológico. São necessários mais trabalhos para definir a relevância de epítopos neutralizantes de HPV e dos receptores de ligação virais.

Se considerarmos uma vacina capaz de erradicar vírus já replicantes nas células epiteliais, uma estratégia que eliminará a infecção deve ser capaz de priorizar os linfócitos T citotóxicos (CLTs) direcionados contra os epítopos derivados das proteínas virais processadas endogenamente, presentes no contexto do complexo de histocompatibilidade principal (MHC). Preparações purificadas de antígenos de HPV, vetores virais e bacterianos vivos específicos ao HPV, e vacinações baseadas em DNA são todas estratégias razoáveis para alcançar este objetivo.

Devido ao fato do HPV 16 representar o tipo mais comum de HPV encontrado em mulheres com citologia normal e carcinomas cervicais invasivos, ele será o principal candidato nos esforços em se produzir uma vacina. Parece que a vacinação tipo-específica pode não provocar proteção cruzada mesmo com HPVs correlatos. É improvável que as estratégias vacinais para o HPV sejam capazes de acomodar os mais de 20 tipos que estão associados com câncer cervical invasivo.

A variação geográfica na prevalência de tipos específicos de HPV pode representar uma estratégia adicional, desde que as vacinas sejam planejadas para uma região do mundo, não podendo ser aplicadas em outras regiões. Similarmente, variações na prevalência dentro dos tipos específicos de HPV podem representar complexidade adicional para se considerar uma estratégia vacinal apropriada. Mais de vinte variantes de HPV 16 distintos foram identificados, e os aminoácidos que variam dentro dessas variantes do HPV 16 podem ser importantes para a geração de respostas imunes celular ou humoral adequadas. Vale ressaltar que, ao redor do mundo, as variantes do HPV 16 parecem ser caracterizadas por distribuições continentais distintas.

Nos EUA e Europa, vacinas contendo HPV 6, 11, 16 e 18, ou HPV 16, 18, 31 e 45 em combinação podem ser avaliadas em ensaios com vacinas multivalentes. No primeiro caso, a vacinação contra HPV 6 e 11 pode ser justificada pela prevenção e tratamento das lesões genitais associadas ao HPV, e HPV 16 e 18 para a prevenção e tratamento das infecções cervicais associadas ao HPV. Os pacientes com lesões genitais representarão presumivelmente uma população em que a segurança e eficácia da vacina poderão ser inicialmente avaliadas. No segundo caso, vacinas multivalentes contendo HPV 16, 18, 31, e 45 concentrarão os tipos de HPV responsáveis por mais de 80% dos casos de carcinoma invasivo em todo o mundo.

A via de administração do antígeno é provavelmente importante e, potencialmente, a administração parenteral do antígeno pode modificar os rumos da imunogenicidade vistos na infecção natural pelo HPV. Não é conhecido se a IgA das mucosas serão requeridas para a proteção contra a infecção pelo HPV.

Um outro grande desafio será identificar medidas finais apropriadas e a população alvo que deverá ser usada para estabelecer a eficácia da vacina. Ainda temos muitas perguntas a serem respondidas: – As medidas do HPV baseadas na reação de cadeia de polimerase (PCR) são requeridas nas vacinas e com que freqüência e duração este teste é apropriado? – Cérvices negativas para HPV são os únicos resultados aceitáveis da vacinação, ou pode-se aceitar a presença de baixos níveis de HPV e a ausência de anormalidades citológicas? – Como a citologia cervical pode ser incorporada na monitorização da eficácia da vacina? – Similarmente, a sorologia específica para HPV será um bom marcador para monitorizar os resultados da vacina? – Qual o tempo de eficácia da vacina na prevenção da infecção pelo HPV, e qual será o tempo necessário para predizer a significância do impacto na incidência do câncer cervical? – Com que idade deve ocorrer a vacinação, na infância ou adolescência? – Somente os grupos de risco ou toda a população deve ser vacinada? Tanto mulheres quanto homens deverão ser vacinados? – Se sim, quais serão os melhores métodos para acessar a infecção pelo HPV no homem? – Qual o impacto da prevalência do HPV na dinâmica populacional? – Se houver algum impacto, ele será resultado da vacinação contra alguns HPVs predominantes? – E, talvez a pergunta mais importante: A vacina demorará a estar disponível nos países em desenvolvimento, onde a vacinação seria mais necessária?

Durante a década passada assistimos a história natural das infecções pelo HPV desdobrar-se sob nossos olhos. Na próxima década poderemos ver o início da erradicação das infecções pelo HPV e certamente conheceremos as respostas de muitas das questões acima.