Dra. Adriane Cristina Bovo
O termo alterações epiteliais não neoplásicas da vulva refere-se às antigas distrofias ou leucoplasias vulvares e surgiu em 1986, por recomendação da Sociedade Internacional para o Estudo das Doenças Vulvares (ISSVD) em associação com o Comitê de Nomenclatura para Doenças Vulvares da Sociedade Internacional de Patologia Ginecológica (ISGP). As alterações epiteliais não neoplásicas compreendem o líquen escleroso, a hiperplasia de células escamosas e outras dermatoses menos freqüentes.
O líquen escleroso, anteriormente denominado líquen escleroso e atrófico, é uma doença inflamatória crônica caracterizada inicialmente por aparecimento de pequenas máculas brancas e coalescentes de distribuição simétrica na região de grandes e pequenos lábios, podendo estender-se para região perianal. A doença cursa freqüentemente com prurido persistente. Há progressiva retração do tecido conjuntivo, sendo que a pele torna-se fina, lisa e brilhante, com conseqüente atrofia clitoridiana e de pequenos lábios, podendo ocorrer estenose do intróito.
As mulheres na pós-menopausa são as mais acometidas, entre a quinta e sexta décadas da vida, seguidas de meninas pré-púberes. Quando presente em crianças, as lesões ano-genitais são comumente confundidas com abuso sexual.
Os aspectos patogênicos e etiológicos do líquen permanecem incertos. Há evidência de fatores genéticos, imunológicos e hormonais envolvidos em alguns casos. A Borrelia burgdorferi tem sido investigada como possível agente etiológico, porém os resultados dos estudos têm sido conflitantes. Baixos níveis séricos de dihidrotestosterona e androstenediona têm sido descritos em alguns estudos, bem como diminuição da atividade da 5 -redutase na pele da região perineal. Por outro lado, muitos estudos têm demonstrado uma associação significativa entre o líquen e outras doenças auto-imunes. Níveis de anticorpos, órgão específico ou não, aparecem aumentados em pacientes com líquen. A associação da doença com a presença de alguns antígenos de histocompatibilidade (HLA) como A29, B44 e B21 reforçam essa suspeita.
O diagnóstico se faz pelo aspecto clínico, confirmado pela biópsia vulvar. O aspecto histológico varia com a evolução da doença. Inicialmente a epiderme se torna hiperqueratótica, com acantose que depois evolui para atrofia. A derme é edemaciada, hialinizada e há infiltrado celular mononuclear inespecífico. Essas alterações associadas ao trauma determinado por coçaduras podem favorecer a superposição de processos infecciosos locais, rachaduras, sangramentos e ulcerações.
O tratamento irá depender de diversos fatores. Quando o comprometimento é leve e sem sintomas, pode não ser necessário qualquer tratamento. A aplicação tópica de esteróides potentes foi evitada por muito tempo, acreditando-se que poderia agravar a atrofia da pele. Estudos recentes mostraram que o propionato de clobetasol a 0.05%, sob a forma de creme, aplicado duas vezes ao dia nas lesões por algumas semanas, produz resposta terapêutica satisfatória. Dalziel et al (1990) , utilizando o propionato de clobetasol 0.05% duas vezes ao dia por um período de 12 semanas, encontraram redução significativa nas alterações histológicas, inclusive da atrofia, além de melhora clínica importante das lesões e dos sintomas. Em estudo realizado em 1996 no ambulatório de patologia do trato genital inferior e colposcopia da UNIFESP-EPM, observou-se remissão dos sintomas e melhora significativa do aspecto clínico e histopatológico em 10 pacientes tratadas durante 120 dias com este corticóide.
Outras drogas têm sido propostas. A ciclosporina, quando localmente administrada, tem demonstrado ser útil no tratamento de dermatoses de origem auto-imune e em casos de líquen , parece reduzir os sintomas locais. O etretinato, pelo efeito benéfico em lesões que cursam com distúrbios do tecido conjuntivo, pode produzir melhora clínica e histológica no líquen.
Outras medidas terapêuticas incluem a infiltração local de substâncias que diminuam o prurido ou excepcionalmente a vulvectomia simples em casos refratários a terapêutica medicamentosa.
Lesões extra genitais não parecem apresentar qualquer potencial de malignização. Em regiões anogenitais, alguns estudos sugerem maior incidência de carcinoma de células escamosas. De fato a análise da margem de ressecção de carcinomas escamosa da vulva demonstra a presença do líquen escleroso com ou sem associação com a hiperplasia de células escamosas em aproximadamente 60% dos casos, enquanto a neoplasia intraepitelial está presente em apenas 30% das vezes. Estudos prospectivos demonstram um risco variando entre 5 e 10% de aparecimento de câncer.
Já a hiperplasia de células escamosas, ao contrário do líquen, não apresenta um quadro clínico bem definido. Surgiu em substituição às antigas distrofias hipertrófica e refere-se ao achado histopatológico de hiperplasia epitelial, acantose com alongamento das pregas epidérmicas e variável grau de hiperqueratose com infiltrado inflamatório. É um diagnóstico de exclusão. O encontro destas alterações epiteliais na ausência de uma causa específica caracteriza este grupo. Alguns dermatologistas e patologistas consideram-na como sinônimo do líquen crônico simples.
Freqüentemente observa-se a presença de focos de hiperplasia de células escamosas no líquen escleroso, acreditando-se que neste grupo de pacientes há maior risco do aparecimento de neoplasia invasora. Nas hiperplasias de células escamosas, puras ou mistas associadas ao líquen escleroso, o componente epitelial pode se apresentar atípico. Essas atipias se manifestam por distúrbios da estratificação epitelial e por anormalidades na maturação celular. Clinicamente observam-se lesões pruriginosas, geralmente esbranquiçadas que podem ser únicas ou difusas, com relevo ou planas. Acentua-se o pregueamento cutâneo, porém sem sinais inflamatórios importantes.
O tratamento consiste na aplicação tópica de corticóides de variável potência de acordo com os sintomas, graus de hiperqueratose, etc. O uso destas medicações diminui o espessamento epitelial e alivia os sintomas de prurido.
Outras dermatoses que podem acometer a região vulvar são as dermatites de contato por agentes irritantes ou alérgicos, dermatite seborréica, líquen simples crônico, líquen plano, psoríase, pênfigo vulvar, Doença de Beçhet, Doença de Crohn, Doença de Darier, Doença de Hailey-Hailey e outras.
As dermatites de contato na região vulvar podem ser causadas por agentes irritantes como produtos usados para a higiene (sabonetes, desodorantes íntimos, papel higiênico) ou vestuários. Mulheres com dermatite atópica, podem apresentar manifestações vulvares, caracterizando uma dermatite atópica local. A história clínica é de fundamental importância na relação entre o uso desses produtos e o aparecimento ou exacerbação dos sintomas. Os achados clínicos são, em geral, discreta hiperemia de formações labiais. A biópsia demonstra um infiltrado inflamatório leve com discreta espongiose do epitélio.
O tratamento consiste na identificação do fator irritante ou alérgico. Orientações para uso de sabonetes neutros e diminuição de número de lavagens locais devem ser feitas. Associa-se cremes tópicos de hidrocortisona para melhora da sintomatologia. A dermatite seborrêica na região é incomum.
Como descrito anteriormente, alguns autores acreditam que a hiperplasia de células escamosas e o líquen crônico simples sejam a mesma doença. No entanto, ainda não há consenso sobre isto e por isso, o líquen crônico será descrito separadamente. O quadro clínico é semelhante ao descrito para a hiperplasia de células escamosas. Em pacientes com queixa de prurido vulvar crônico, observa-se amiúde um espessamento da pele local, como resposta ao efeito irritativo da coçadura a longo prazo. Ao exame, nota-se acentuação das marcas cutâneas e, em alguns casos, hiperpigmentação. Na maioria das vezes, existe predisposição individual, além de fator desencadeante que pode ser de natureza exógena ou endógena, levando ao prurido inicial. Estabelece-se um ciclo vicioso, em que o prurido leva à liquenificação que por sua vez causa o prurido. O diagnóstico se faz pela história, exame clínico e biópsia. O exame histológico demonstra acentuada hiperqueratose, acantose e paraqueratose do epitélio.
Uma vez afastadas outras causas irritativas locais como infecções fúngicas ou outras dermatoses, o tratamento consiste em interromper o prurido e reverter as alterações epiteliais com a aplicação tópica de esteróides. Em casos de persistência do prurido pode-se recomendar anti-histamínicos via oral.
O líquen plano é uma doença cutânea incomum, cuja etiologia não é conhecida e que acomete pele e, eventualmente, mucosa. Localiza-se de preferência em superfícies flexoras como punho, coxas e terço inferior das pernas. Em pacientes com acometimento de região vulvar são usuais queixas de dor e prurido local, além de corrimento vaginal sero-sanguinolento em casos de acometimento de mucosa vaginal. Os achados clínicos variam desde pápulas discretas, sutis, até lesões ulcerativas extensas que acometem vestíbulo e intróito vaginal. A lesão característica é uma pápula poligonal de superfície lisa, brilhante, achatada, com umbilicação central e de coloração róseo- avermelhada. Com a evolução da doença, pode ocorrer a reabsorção de pequenos lábios e clitóris, bem como o encurtamento e aderência de paredes vaginais decorrente da vaginite descamativa. Em alguns casos podem-se observar lesões em gengiva e mucosa oral. O diagnóstico diferencial se faz com todas as outras doenças ulcerativas da vulva. Histologicamente, líquen plano é caracterizado por degeneração das células da camada basal do epitélio, hiperplasia da camada granulosa e infiltrado monomorfonuclear limitado à derme superior, composto por linfócitos e histiócitos. A biópsia deve ser realizada em área de pele comprometida, fora da úlcera; caso contrário, os achados podem ser inespecíficos.
O tratamento consiste em administrar corticóides tópicos ou por via sistêmica em casos mais severos. Para evitar sinéquias vaginais pode-se usar dilatadores vaginais lubrificados com corticóides ou supositórios vaginais de hidrocortisona. Outras drogas propostas são a ciclosporina, griseofulvina, dapsona e retinóides, porém com resultados controversos.
A psoríase caracteriza-se por lesões eritêmato-escamativas disseminadas, com forma e distribuição variáveis. Pode-se ver leve eritema ou múltiplas placas eritematosas com escamas prateadas, secas e aderentes em sua superfície, comprometendo monte de Vênus até a região interglútea. A presença de lesões semelhantes em outras partes do corpo, além do comprometimento de unhas, auxiliam o diagnóstico. A histologia das lesões clinicamente bem estabelecidas apresentam paraqueratose, hiperqueratose, hipogranulose, espessamento da epiderme com alongamento das papilas dérmicas e com adelgaçamento do epitélio sobre essas papilas. O tratamento se faz com corticóides tópicos.
O pênfigo se caracteriza clinicamente por vesículas e bolhas, de etiologia desconhecida, decorrentes de acantólise, ou seja, perda da aderência entre as células escamosas. Essa acantólise decorre da deposição de anticorpos nos espaços intercelulares. O mais comum é o pênfigo vulgar. Erosões vulvares podem ser a única manifestação dessa doença. O tratamento se faz com imunossupressores sistêmicos.
Já a Doença de Behçet é uma doença sistêmica, também de etiologia não conhecida, caracterizada por úlceras genitais, orais e uveíte decorrentes de uma arterite necrotizante que pode determinar a amaurose em 33% dos pacientes, além de outras complicações não usuais, como artrite, trombose arterial, colite e orquite. Na região genital observam-se ulcerações pouco características, localizadas mais amiúde em pequenos lábios ou vagina. As lesões têm profundidade e extensão variáveis, de acordo com o tempo de evolução da doença. O diagnóstico é clínico e o tratamento se faz com administração sistêmica de corticóides.
Outras dermatose mais raras incluem Doença de Crohn, Doença de Darier, dentre outras.