Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia
Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia

Vulvovaginites

Dra Elsa Aida Gay de Pereira*
Dra Cíntia Irene Parellada**

1. Vulvovaginites

As vaginites infecciosas são a causa mais comum de descarga vaginal e são responsáveis por 2/3 do total de casos. Os três tipos mais comuns de vaginites infecciosas são vaginose bacteriana, vaginite por Candida e vaginite por Trichomonas.

Vaginose bacteriana

Ë a causa mais comum de vaginite perfazendo aproximadamente 50% dos casos. A vaginose bacteriana não é uma infecção monoetiologógica mas um desequilíbrio polimicrobiano sinérgico do ecossistema vaginal caracterizado por:

a)aumento da concentração de organismos aeróbios específicos como Pretovella, Mobiluncus, Peptostreptococcus;

b)aumento da concentração de gardnerella vaginalis e Mycoplasma hominis;

c)redução da concentração de espécies de Lactobacillus; aumento da concentração de aminas orgânicas e aromáticas específicas (putrescina, cadaverina e trimetilamina). A produção aumentada destas aminas é responsável pelo “cheiro de peixe” que é característico desta infecção.

Estudos recentes demonstram associação desta infecção a complicações tanto ginecológicas como obstétricas. Na gestação, existe maior risco de corioamnionite, ruptura prematura das membranas, trabalho de parto prematuro, parto prematuro, e endometrite pós-parto. Similarmente, grande numero de complicações ginecológicas estão associadas a presença de vaginose bacteriana, incluindo doença inflamatória pélvica, infecções do cúpula vaginal pós-histerectomia e infecções pós-aborto.

Quadro clínico: descarga branca, espessa, homogênea com cheiro característico de “peixe” e aderente as paredes vaginais e vestíbulo. Não está associada a irritação ou ardência, mas de 50% das mulheres são assintomáticas.

Diagnóstico: “ clue cells” no esfregaço à fresco; pH vaginal > 4.5; liberação de odor de peixe após adição de hidróxido de potássio a 10%.

Tratamento: O tratamento está indicado em mulheres sintomáticas; que irão se submeter a procedimentos cirúrgicos e gestantes. O tratamento do parceiro só está indicado em casos recidivantes.

Tratamento da vaginose bacteriana

Droga

Dose

Duração

Metronidazol (via tópica)

Gel 0.75% 1X ao dia

7 dias

Metronidazol (via oral)

400-500 mg 2X ao dia

5-7 dias

Metronidazol (via oral)

2g

dose única

Clindamicina (via tópica)

Creme 2% 1 X ao dia

7 dias

Clindamicina (via oral)

300 mg

7 dias

Candidíase

Esta infecção é a segunda causa mais comum de infecções vulvovaginais, e estima-se que 75% das mulheres possuem esta infecção em algum período de suas vidas reprodutivas. Entre 80 a 90% dos casos de Candida provêm da espécie albicans, e o restante de espécies não-albicans como Candida glabrata, Candida tropicalis, e Saccharomyces cerevisiae. A Candida albicans pode ser isolada da flora vaginal normal em 20% das mulheres. Pode estar associada a algum fenômeno que compromete as defesas locais da vagina como uso de antibióticos de amplo espectro, aumento da glicogenação do epitélio vaginal devido a gravidez ou diabetes mellitus descompensado, calor local excessivo, aumento umidade devido ao uso de roupas íntimas de material sintético e infecção por HIV.

Quadro clínico: a sintomatologia freqüente é corrimento espesso, esbranquiçado, semelhante a “leite coalhado”, sem odor fétido, acompanhada de inflamação e prurido vulvar intensos, havendo piora do quadro no período pré-menstrual.

Diagnóstico: O diagnóstico de candidíase é facilmente estabelecido quando verifica-se pH vaginal normal (4 a 4,5) e identificação microscópica de pseudohifas e esporos com o auxílio de solução salina ou KOH 10%. A baixa sensibilidade desses testes e a falta de especificidade dos sinais clínicos pode gerar falso-negativo; nesses casos associa-se cultura no meio de Sabouraud.

Diagnóstico diferencial: hipersensibilidade local, reação alérgica ou química e dermatite de contato, as quais mimetizam os mesmos sintomas.

Tratamento : drogas antimicóticas, o uso apenas tópico atinge taxas acima de 80% de cura , quando associado a medicação oral apresenta em torno 90 % de cura. Evitar agentes locas irritantes como perfumes e não usar roupas íntimas de material sintético. Não existem evidências que suportem o tratamento do parceiro.

Tratamento tópico da cérvico-vaginite por Candida

Droga

dose

Duração

Ciclopirox olamina

Creme 1%5g

6 dias

Clotrimazol

Creme 1% 5 ou comprimido 0,5g

6 dias

dose única

Nistatina

Creme 5g

14 dias

Nitrato de isoconazol

Creme 1% 5g ou

Óvulo 600 mg

7 dias

dose única

Nitrato de miconazol

Creme 2% 5g

14 dias

Terconazol

Creme 0,8% 5g

5 dias

Tioconazol

Creme 6,5% 5g ou

Óvulo 300mg

dose única

dose única

*5g de creme vaginal eqüivale a 1 aplicador

Tratamento oral da cérvico-vaginite por Candida

Droga

Dose

Duração

Ketoconazol

400mg 2 vezes ao dia

por 5 dias

Itraconazol

200mg 2 vezes ao dia

por 1 dia

Fluconazol

150mg

dose única

Obs: o uso de azol oral é contra-indicado na gestação.

Gravidez : tratamento com azoles tópicos é recomendado. Períodos longos de tratamento podem ser necessários.

Candidíase recorrente: quatro ou mais episódios de candidíase sintomática ao ano. Aconselha-se regime de manutenção por 6 meses. A cessação das terapia pode resultar em recorrência em 50% das mulheres.

Tratamento da candidíase recorrente

Droga

Dose

Duração

Fluconazol

100 mg 1X por semana

6 meses

Clotrimazol

creme 1% 5g 1X por semana

6 meses

Itraconazol

400 mg 1X ao mês

6 meses

Cetoconazol

100 mg 1X ao dia

6 meses

*Monitorar função hepática mensalmente; terapia prolongada com azoles está associada a maior falha dos contraceptivos orais.

Tricomoníase

O Trichomonas vaginalis é um protozoário flagelado unicelular e é a terceira causa mais comum de infecção vaginal. Apesar de ser reconhecida como doença sexualmente transmissível, a transmissão não-venérea é possível pois o organismo já foi isolado em assentos sanitários e piscinas.

Quadro clínico : O quadro clínico é variável podendo ser assintomático ou não, com leucorréia bolhosa característica de odor fétido, associada a disúria e dispareunia. Pode-se observar, em alguns casos, o aspecto clássico de cérvico-vaginite “em morango”, que consiste em lesões multifocais avermelhadas.

Diagnóstico: Observação microscópica direta em esfregaço a fresco em 40 a 80%. O esfregaço de Papanicolaou tem sensibilidade de 60-70%, e resultados falso-positivos não são incomuns. Técnicas de cultura tem alta sensibilidade (95%), também estão disponíveis kits usando sondas de DNA e anticorpos monoclonais para rápido diagnóstico, com sensibilidade de 90% e especificidade 99,8%.

Tratamento : As drogas do grupo 5-nitroimidazole, metronidazol e tinidazol, constituem a base da terapia. A terapia oral é preferida devido a infecção da uretra e glândulas periuretrais serem reservatórios para a recorrência. As vantagens da terapia em dose única incluem, melhor aderência, menor dose total ingerida, diminuição do período da abstinência sexual e menor possibilidade de superinfecção por cândida. As taxas de cura são similares com dose única de 2,0g metronidazol (82-88%) e dose de 500 mg, 2 vezes ao dia por 7 dias ( 85-90%). Quando os parceiros sexuais são tratados simultaneamente, a taxa de cura é superior a 90%. O parceiro sexual deve ser tratado e manter abstinência sexual até completar o tratamento. Não deve ser ingerido bebidas com álcool durante o tratamento e até 48 h após o final devido a possibilidade do “efeito antabuse”.

Tratamento da tricomoníase

Droga

dose

duração

Metronidazol

2g

dose única

Metronidazol

400 mg 2X ao dia

5-7 dias

Gravidez: A tricomoníase parece estar associada a parto prematuro e baixo peso ao nascimento. O metronidazol pode ser usado em todos os estágios da gravidez e amamentação. Esta droga passa para o leite materno alterando seu gosto (sabor metálico). Portanto, altas doses devem ser evitadas nestas circunstâncias. Para alívio dos sintomas pode ser utilizado terapia local, mas tratamento tópico será necessário mais tarde para erradicar a infecção.

Vaginite atrófica

Causada por deficiência estrogênica, é vista com maior freqüência nas mulheres menopausadas. O adelgaçamento pronunciado das camadas epiteliais predispõe a infecção e a laceração. Ao exame clínico pode-se observar eritema e hemorragias petequiais. Os sintomas incluem secura vaginal, corrimento com estrias de sangue e dispareunia. O tratamento deve ser individualizado, consistindo na reposição estrogênica local ou sistêmica, a qual atingirá efeitos satisfatórios conforme a via de reposição hormonal e a droga de escolha. A via tópica regride os sintomas agudos em 2 semanas, após é aconselhável realizar manutenção com aplicação 2 vezes por semana ou avaliar os benefícios da via sistêmica.

Tratamento tópico da vaginite atrófica

Droga

Dose

Duração

Estrogênios conjugados

creme 1 g

2 a 4 semanas

Estriol

creme 1g

2 a 4 semanas

Promestriene

creme 1 g

2 a 4 semanas

VAGINOSE CITOLÍTICA

Ë uma infecção pouco reconhecida mas causa comum de queixas cíclicas vulvovaginais em mulheres na idade reprodutiva. Muitas vezes é erroneamente diagnosticada como candidíase devido a história e o exame físico ser muito semelhante. Entretanto esta infecção tem o padrão de recorrência dos sintomas na fase luteal do ciclo.

Quadro clínico: prurido, dispareunia, disúria vulvar e sintomas cíclicos mais pronunciados durante a fase luteal.

Diagnóstico: Os critérios diagnósticos incluem alto grau de suspeita; ausência de Trichomonas, Gardnerella ou Candida no esfregaço a fresco, número aumentado de lactobacilos, evidência de citólise; presença de leucorréia e pH entre 3.5 e 4.5.

Tratamento: Descontinuar todos os agentes antifúngicos, não utilizar tampões vaginais e realizar na fase luteal banhos de assento com bicarbonato de sódio.