Luisa Lina Villa
1. Introdução
Na atualidade, tem fundamental importância a caracterização do gene que se está estudando e eventualmente de seu produto proteico. Tal tarefa é facilitada pela disponibilidade de uma série de métodos que permitem avaliar a estrutura e expressão gênicas com precisão. A versatilidade e, em alguns casos simplicidade, dessas metodologias vem permitindo uma importante ampliação do conhecimento básico da função gênica, além de possibilitar o estudo de anormalidades genéticas, podendo envolver alterações em oncogenes e genes supressores de tumor, diagnóstico de agentes infecciosos, identificação de indivíduos, em biologia do desenvolvimento e evolução de organismos. Ressalte-se a velocidade com que avança o conhecimento dos genomas dos mais diferentes organismos, incluindo o Homem, através de projetos que empregam abordagens experimentais como as descritas a seguir.
Em relação ao diagnóstico de agentes infecciosos, a aplicação de uma abordagem molecular vem causando grande impacto, não apenas pelo aumento considerável de sensibilidade dos testes, mas, sobretudo, por serem altamente específicos. Além disso, a rapidez e relativa simplicidade da maioria destes testes, agiliza e acelera a obtenção de resultados, o que, em certos casos, é fundamental para o controle adequado e eficiente do paciente. No caso do diagnóstico molecular de papilomavírus humano (HPV), esta metodologia é particularmente sensível na identificação do DNA viral nos mais diversos fluidos biológicos. Estudos conduzidos nos últimos 20 anos, empregando estes testes, permitiram o estabelecimento da relação etiológica entre alguns HPVs e o câncer do colo do útero. A utilização de ensaios muito específicos e sensíveis, com por exemplo a reação de polimerização em cadeia (PCR), para detecção do DNA de HPV em amostras biológicas pode resolver dúvidas originadas do diagnóstico citológico, sendo, portanto, considerados complementos importantes aos diagnósticos cito-histopatológicos e colposcópicos, não apenas de lesões pré-neoplásicas, mas também nas infecções subclínicas associadas a esses agentes virais, tanto na mulher quanto no homem. Além disso, diversos estudos que se basearam na identificação molecular dos HPVs vem apoiando a sua aplicação na triagem de mulheres sob risco de desenvolver neoplasias cervicais, podendo vir a compor um importante instrumento na prevenção do câncer do colo do útero.
2. Conceitos gerais
A maioria dos métodos de análise de genes e seus transcritos se baseia no princípio da hibridização molecular, que consiste na formação de fitas duplas (híbridos) entre fitas simples de ácidos nucleicos (DNA, ácido desoxirribonucleico ou RNA, ácido ribonucleico) (1). A formação de moléculas híbridas é dirigida pela complementariedade das seqüências de nucleotídeos das fitas de DNA ou RNA, sendo estabilizada pelas ligações tipo pontes de hidrogênio que se formam entre as bases nitrogenadas. A estabilidade do híbrido pode ser modulada não apenas pela natureza (conteúdo G-C, homologia) e comprimento das seqüências de nucleotídeos, mas também pela temperatura da reação e concentração de sais. Esses parâmetros, entre outros, definem as condições de maior ou menor rigor (stringency) da reação, o que finalmente determinará a especificidade e sensibilidade do ensaio.
3. Técnicas de análise de DNA e RNA
3.1. Hibridização em filtros (Southern e Northern blots)
Este é um método muito empregado para a análise de seqüências de DNA (Southern) ou RNA (Northern) aderidos a filtros ou membranas de nitrocelulose e derivados (2). Resumidamente, DNA extraído de células ou tecidos, após digestão com enzimas de restrição, é submetido a eletroforese em gel para separação dos fragmentos gerados. Segue-se a desnaturação das moléculas de DNA na presença de soluções alcalinas e transferência para filtros de nitrocelulose, em condições que garantem a adesão das fitas simples de DNA em posições definidas pelas condições da eletroforese. No caso de RNA é necessário realizar eletroforese em géis desnaturantes (formaldeído, glioxal, entre outros). À transferência, seguem-se as etapas de hibridização, envolvendo a imersão da membrana em uma solução que contém, além de uma mistura definida de sais, a sonda molecular. Esta poderá ser um fragmento de DNA, RNA ou oligonucleotídeos convenientemente marcados para permitir a identificação dos híbridos que se formarão. A marcação pode ser feito com o emprego de radioisótopos ou pela adição química de grupos reativos ou enzimas; neste caso, a detecção é via de regra colorimétrica, ou por emissão de luz, no caso dos produtos serem quimioluminescentes, enquanto híbridos isotopicamente marcados podem ser detectados por cintilação líquida ou autorradiografia.
A grande vantagem das hibridizações em filtro é permitir a caracterização de fragmentos específicos de DNA ou RNA, aplicando-se sobremaneira à averiguação da transcrição tissular de determinados genes dos mais variados organismos. A principal desvantagem consiste na necessidade de obtenção de uma quantidade razoável de material genético íntegro e relativamente puro e o tempo de execução (dias a semanas). Algumas variações desta metodologia incluem a hibridização em pontos ou linhas (dot ou slot blots).
3.2. Hibridização in situ (HIS)
Como o nome indica, esta metodologia permite a identificação de genes ou de seus transcritos simultaneamente à localização celular, sendo também efetuada em preparações cromossômicas (3). Uma vez que pode ser realizada em tecidos fixados, embebidos em parafina, a hibridização in situ é principalmente empregada em estudos retrospectivos. Comparado às hibridizações em filtro ou PCR, como veremos adiante, este método tem menor sensibilidade, mas permite a análise no contexto da morfologia e distribuição tissulares.
Cortes de tecido fresco ou fixado, ou mesmo esfregaços celulares, são submetidos à HIS em laminas de vidro revestidas de substâncias que aumentam a aderência do tecido. Os tecidos são previamente tratados com proteases; segue-se a adição da mistura de hibridização contendo a sonda molecular sobre o fragmento de tecido aderido à lamina. As sondas podem ser radioativas ou não, conforme descrito acima. Após algumas horas de hibridização em condições rigorosas, as laminas são lavadas para remover os sinais inespecíficos e reveladas. No caso de sondas quimicamente modificadas, a reação colorimétrica é desenvolvida em minutos, podendo todo o processo de HIS ser executado no mesmo dia. Entretanto, quando se empregam sondas isotópicas, os tecidos devem ser revestidos com uma emulsão fotográfica e expostos por dias (sondas marcadas com enxofre 35), ou até semanas (sondas marcadas com trítio).
3.3. Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)
Durante anos, a análise dos genes foi um grande problema devido basicamente ao fato da complexidade dos genomas, especialmente no caso de eucariotos superiores que possuem milhares genes diferentes. O surgimento da PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction, nos meados dos anos 80 (4), mudou completamente este cenário, pois com ela tornou-se possível produzir um número enorme de cópias de uma seqüência específica de DNA ou RNA.
Esta reação utiliza uma DNA polimerase, enzima responsável pela replicação, requerendo uma molécula de DNA fita simples como molde para sintetizar uma nova fita complementar e pequenos segmentos de DNA também fita simples, conhecidos como oligonucleotídeos, para que a partir deste ponto ela possa iniciar a síntese (daí o termo iniciadores ou primers). Durante o processo de síntese se faz necessário a presença dos quatro desoxiribonucleotídios trifosfatados como precursores e certa quantidade do cátion magnésio, importante cofator para a DNA polimerase. O ponto inicial para a replicação do DNA in vitro é que o DNA molde seja desnaturado, ou seja ocorra separação da dupla fita, o que pode ser obtido por aquecimento. Em seguida, é preciso que ocorra pareamento (annealing) dos iniciadores em pontos específicos do DNA molde, e a partir destes pequenos segmentos de DNA dupla fita se processe a formação da nova molécula de DNA utilizando-se os nucleotídios precursores (dATP, dTTP, dGTP, dCTP). Deste modo em uma reação de PCR pode-se direcionar a DNA polimerase para que ela sintetize uma região específica do DNA molde de interesse.
Durante este processo, as duas fitas do DNA servem como molde para a síntese catalizada pela DNA polimerase. A reação é então repetida de forma cíclica, quase sempre de 25 a 40 vezes, sempre seguindo este padrão de desnaturação, pareamento e extensão. Assim, ao final de n ciclos, a reação terá um número teórico máximo de 2 n moléculas de DNA dupla fita, que serão cópias exatas da região específica do DNA molde que foi flanqueado pelos iniciadores. Portanto, em condições ideais, empregando cicladores térmicos, a reação de PCR resulta em uma amplificação de regiões específicas de qualquer genoma (com algumas diferenças metodológicas no caso de se tratar de RNA). A automatização deste tecnologia só foi possível a medida que se tornaram disponíveis DNA polimerases termo-resistentes, isoladas a partir de bactérias que vivem em fontes termais, que funcionam idealmente em altas temperaturas e apresentam uma estabilidade razoável em temperaturas desnaturantes. Deste modo a utilização da DNA polimerase da bactéria Thermus aquaticus (por isto Taq polimerase), entre outras, tornou o processo mais automático, além de garantir uma maior especificidade (5).
Como o DNA é uma molécula bastante estável, diversas fontes podem servir como DNA molde para as mais diversas reações de PCR. Assim, séries históricas de serviços de Patologia, ou o DNA extraído de tecidos guardados a centenas e milhares de anos, como o de fósseis ou múmias egípcias, podem ser amplificados por PCR.
3.4. Seqüenciamento de DNA
A análise da estrutura do DNA e sua relação com a expressão gênica tem sido grandemente facilitada pelo desenvolvimento de técnicas de seqüenciamento do DNA. Atualmente na literatura mundial existe ampla variedade de métodos de sequenciamento, mas todos eles foram derivados ou se baseiam nos princípios gerais dos dois primeiros métodos desenvolvidos para determinação de seqüência do DNA. Estes métodos são: de clivagem química desenvolvido por A. Maxam e W. Gilbert (6) e o outro chamado de replicação enzimática da interrupção controlada descrito por Frederick Sanger e seus colaboradores (7).
Atualmente estão disponíveis seqüenciadores automáticos de DNA que com muita eficiência podem gerar milhares de seqüências nucleotídicas em horas. Pela sua elevada eficiência, esta metodologia vem sendo empregada rotineiramente na identificação de genes associados a diversas patologias, incluindo aqueles derivados de agentes infecciosos. Este desenvolvimento tecnológico, associado aos recentes avanços na área de BioInformática, é o que vem permitindo um avanço surpreendente na elucidação do genoma completo de diversos organismos.
4. Diagnóstico molecular dos papilomavírus humanos (HPV)
Os métodos de detecção do material genético dos HPVs são essencialmente de dois tipos: ou por hibridização direta do DNA/RNA viral presente nos espécimes, ou por amplificação in vitro destes genomas, seguida de sua identificação tipo-específica, freqüentemente por hibridização. Em geral, estas técnicas empregam princípios de hibridização molecular DNA-DNA, RNA/DNA, envolvendo de um lado o DNA ou RNA extraído do espécime clínico e do outro os DNAs ou RNAs dos diferentes HPVs clonados. Dentre os diversos métodos, o único que permite a localização dos genomas virais em relação à topografia do tecido é a hibridização in situ. Esta metodologia permite a localização do DNA ou RNA viral de forma específica em células definidas ou mesmo cromossomos isolados. Entretanto, é uma metodologia laboriosa e não muito sensível. A realização desta técnica em combinação com a PCR parece oferecer uma solução para este problema (8); entretanto, a PCR-in situ não está sendo amplamente utilizada. A hibridização tipo Southern blot tem boa sensibilidade e alta especificidade, mas requer quantidades relativamente grandes e de alta pureza do DNA dos espécimes biológicos, não sendo aplicável ao estudo de tecidos fixados.
Os métodos baseados em PCR tem a maior sensibilidade de detecção dos genomas virais e, quando acoplados a um ensaio de hibridização, permitem detectar todos os tipos de HPV, em torno de 40 no caso de espécimes provenientes das mucosas genitais (9). Além disso, requerem quantidades muito pequenas de DNA da amostra biológica e preparações relativamente impuras podem ser utilizadas. Uma outra vantagem deste método é que pode ser efetuado em espécimes históricos (tecidos fixados e emblocados em parafina) permitindo análises retrospectivas. Por ser um método muito sensível, é preciso controlar muito bem as condições de ensaio para eliminar os resultados falso-positivos devidos à contaminação. Atualmente são mais utilizados conjuntos de oligonucleotídeos iniciadores consenso ou genéricos para permitir a amplificação do maior número possível de tipos de HPV em uma única reação.
Outro teste amplamente empregado baseia-se na hibridização de sondas moleculares correspondentes ao RNA de 18 tipos de HPV com o DNA do vírus que possa estar presente na amostra. Segue-se a identificação dos híbridos formados através de reação muito sensível e específica empregando anticorpos. Daí o nome Captura de Híbridos (Hybrid Capture, DIGENE Diag. Inc., Silver Spring, USA) (10). A detecção dos híbridos é feita por quimioluminescência, o que torna o processo sensível e realizável em curto espaço de tempo. Por ser comercialmente disponível, vem sendo amplamente empregado tanto em estudos epidemiológicos, quanto na clínica.
5. Referências bibliográficas
1) Alberts B, Bray D, Lewis J, Raff M, Roberts K, Watson JD (1995) Molecular Biology of the Cell. 3rd ed. 1294pp Garland Publish. Inc., NY
2) Sambrook J, Fritsch EF, Maniatis T (1989) Molecular Cloning: A laboratory manual. Cold Spring Harbor Lab. New York.
3) Pardue ML (1985) In situ hybridization. In: Hames BD, Higgins SJ, eds. Nucleic Acid Hybridization: A practical approach. Oxford: IRL Press.
4) Erlich HA, Gelfand D, Sninsky JJ (1991) Recent advances in the polymerase chain reaction. Science 152:1643-1651.
5) Innis MA, Gelfand DH, Sninsky JJ, White TJ (1990) PCR protocols. A guide to methods and applications. San Diego Academic Press.
6) Maxam AM, Gilbert W (1977) A new method of sequencing DNA. Proc Natl Acad Sci USA. 74:560-564.
7) Sanger F, Nicklen S, Coulson AL (1977) DNA sequencing with chain-terminating inhibitors. Proc Natl Acad Sci USA 74:5463-5467.
8) Nuovo, G.J (1996) PCR in situ hybridization. Protocols and Applications. 2 nd ed., Lippincott-Raven Publ., Philadelphia
9) Bernard H-U, Chan S-Y, Ong C-K, Villa LL, Delius H, Peyton C, Wheeler CM, Manos MM (1994) Identification and assessment of known and novel human papillomaviruses by polymerase chain reaction, restriction digest, nucleotide sequence and phylogenetic algorithms. J Inf Dis 170:1077-1085.
10) Cox JT, Lorincz AT, Schiffman MH, Sherman ME, Cullen A, Kurman RJ (1995) HPV testing by hybrid capture appears to be useful in triaging women with a cytologic diagnosis of ASCUS. Am J Obstet Gynecol. 172 , 946-954.