Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia
Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia

Atualização 2001 do Sistema de Bethesda – significado clínico: ascus e agus.

Drª Cíntia Irene Parellada

Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Em 1988, nos Estados Unidos, surge o Sistema de Bethesda. Este Sistema realça a importância dos laudos descritivos e da adequação do preparado citológico . O Sistema de Bethesda introduz, também, nova classificação das anormalidades epiteliais, dividindo em alterações celulares escamosas e glandulares. Em particular, o Sistema de Bethesda divide a classe II de Papanicolaou, que historicamente incluía desde atipias reativas e inflamatórias a atipias coilocitóticas, colocando todas estas entidades dentro de novas categorias. Assim, o termo atipia celular não deve ser mais utilizado para indicar alterações reativas ou inflamatórias. Deve-se reservar este termo para anormalidades celulares maiores que as atribuíveis às alterações reativas e reparativas, mas que não são qualitativa e quantitativamente diagnósticas de condições pré-neoplásicas e neoplásicas ( ASCCP 1996).

Pelo Sistema de Bethesda 1988, deveria se utilizar os termos células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS) e células glandulares atípicas de significado indeterminado (AGUS) para designar, respectivamente, atipia de origem escamosa e glandular (NATIONAL CANCER INSTITUTE WORKSHOP 1989). Em 2001, no esforço de melhorar a comunicação entre citopatologistas e ginecologistas, o Sistema de Bethesda sofre nova modificação.

CÉLULAS ESCAMOSAS ATÍPICAS

A incidência de ASC na população geral é de 5%, sendo 10 a 20 vezes mais prevalente que a colpocitologia oncológica AGC.

Na atualização de 2001, as células escamosas atípicas (ASC) são subdivididas em 2 categorias: células escamosas atípicas significado indeterminado (ASC-US) e células escamosas atípicas- não podendo excluir lesão de alto grau (ASC-H). Esta alteração foi realizada por dois motivos: devido a pobre reproducibilidade do ASC e pela diferente taxa de NIC associada a ASC e ASC-H. Mulheres com ASC tem 5 a 17% de chance de ter NIC 2 ou 3 confirmada pela biópsia, enquanto aquelas com ASC-H possuem 24 a 95%. Entretanto, o risco de câncer invasivo em mulheres com ASC é baixo ( 0.1 a 0.2%). Mulheres imunodeprimidas com ASC tem risco aumentado de terem NIC 2 ou 3. Inversamente, mulheres pós-menopausadas com ASC parecem ter menor risco de NIC 2 ou 3 do que pré-menopausadas. Esta divisão apoia a conduta a ser adotada.

ASC-US

As mulheres com ASC-US podem ser investigadas através de repetição de citologia, colposcopia imediata ou teste para DNA de HPV. A repetição isolada da citologia tem várias desvantagens quando comparada a outros métodos. Ela pode atrasar o diagnóstico de NIC 2 ou 3 ou mesmo câncer cervical. A colposcopia tem a vantagem da avaliação imediata e informar sobre presença ou ausência de doença significativa. No Brasil, devido ao baixo custo da colposcopia e excelência dos profissionais, geralmente opta-se pela colposcopia imediata e seguimento citocolposcópico semestral. Pode-se retornar ao controle anual após 2 controles negativos.

Vários estudos tem avaliado o performance dos testes de DNA de HPV disponíveis comercialmente. Entre 31 e 61% das mulheres com ASC terão HPV de alto risco. Todas as mulheres positivas devem ser encaminhadas para colposcopia. Até o momento, não se sabe o significado clínico e como manejar mulheres que tem testes positivos para DNA de HPV de alto risco e não possuem lesão. Presume-se que mulheres com teste negativo não possuam lesão significativa. No estudo ALTS, foram avaliadas 5000 mulheres com alterações citológicas intermediárias, cerca de 2/3 tinham ASC e 1/3 LSIL. Dentro de cada grupo, as mulheres foram divididas de forma randomizadas em três subgrupos: um grupo faria colposcopia imediatamente, um segundo grupo repetiria a citologia cervical, e o terceiro grupo faria testes para HPV (captura híbrida); as HPV positiva fariam colposcopia imediatamente e as HPV negativas eram incluídas na conduta espectante. Todos os três grupos repetiam a citologia cervical a cada seis meses, havendo alguma mudança significativa, uma conduta mais agressiva poderia ser tomada.
Os principais resultados na citologia ASC foram:

5 a 10% das colposcopias indicaram lesão pré-câncer ou câncer (raramente). Posteriormente estas mulheres foram submetidas ao teste do HPV e em 96,3% eram positivas. Assim, o HPV teste revelou uma sensibilidade de 96% de triar as mulheres com pré-câncer ou câncer para a colposcopia.
55% das pacientes com ASCUS eram HPV positivo, e foram encaminhadas para colposcopia. Cerca de 10 a 20% das mulheres com HPV positivo tinham lesão pré-câncer ou câncer, ou seja, valor preditivo positivo de 10 a 20%.
99,5% das pacientes com HPV negativo não tinham lesão pré-câncer ou câncer, ou seja, valor preditivo negativo de 99,5%.
Assim, o teste de HPV é altamente sensível para detectar a população de pacientes que necessita de imediata atenção, ou seja, colposcopia. Em mulheres/ convênios que não possuem condições de realizar teste de DNA de HPV, encaminha-se diretamente a colposcopia. Isso não acarreterá em nenhum prejuízo já que o teste de DNA de HPV é apenas para triar as mulheres que precisam de colposcopia imediata.

ASC-H

Estas mulheres devem ser encaminhadas a colposcopia. Quando lesões não forem identificadas a colposcopia, quando possível, revisar resultados da citologia, colposcopia e histologia. Deve-se realizar seguimento citológico em 6 e 12 meses ou teste de DNA de HPV em 12 meses. Mulheres que repetirem ASC em sua citologia devem ser encaminhadas a colposcopia.

ASC-US em situações especiais

Mulheres pós-menopausadas: Como estas alterações podem ser secundárias a atrofia, é recomendável estrogenoterapia tópica por 3 semanas e realizar dentro de 1 semana após a interrupção nova citologia. Mesmas nas pacientes encaminhadas para colposcopia imedita, aconselha-se uso do estrogênio tópico para melhora do trofismo.

Mulheres imunodeprimidas: Todas as mulheres com imunosupressão devem realizar colposcopia, isto inclui todas as mulheres HIV-positivas independente dos níveis de CD4, carga viral e terapia antiretroviral.

Mulheres grávidas: Devem ser avaliadas da mesma maneira que mulheres não-grávidas.

CÉLULAS GLANDULARES ATÍPICAS

Na atualização de 2001 decidiu-se retirar da citologia AGUS o termo “de significado indeterminado” para eliminar qualquer analogia com sua contraparte escamosa, devendo ser chamada apenas de células glandulares atípicas (AGC). A subclassificação favorecendo processo reativo não deve ser mais utilizada devido a falta de sensibilidade e especificidade da mesma, enquanto a subclassificação favorecendo neoplasia e a especificação de origem endocervical ou endometrial persistem. Também foi criada categoria à parte para o AIS ( National Cancer Institute Bethesda System 2001).

O termo AGC aplica-se a células glandulares que mostram atipias nucleares que excedam alterações reativas ou reparativas óbvias, mas faltam ainda critérios específicos para o diagnóstico de adenocarcinoma invasor. Sempre que possível, deve constar na descrição citológica, a origem das células glandulares atípicas, se endocervical ou endometrial. Porém, esta nem sempre pode ser determinada com certeza (COLLIS; ZWEIZIG 1995). Quando as células atípicas são endocervicais, tentativa deve ser realizada para diferenciar entre processo reativo ou neoplásico. Em casos de dúvida não é necessária a qualificação, pode-se utilizar o termo “sem outra especificação”. As células endometriais atípicas não são subdivididas devido à ausência de critérios citológicos adequados para diferenciar processo reativo de neoplásico (KURMAN; SOLOMON 1994).

Cabe aos ginecologistas, frente a este laudo, conhecer o espectro de patologias que originam as células glandulares atípicas (AGC) e conduzir propedêutica adequada para identificar lesões clinicamente significativas, assegurando à mulher o direito à detecção e tratamento precoce do câncer genital. Aproximadamente uma a cada três mulheres com diagnóstico citológico de AGC possui doença pré-neoplásica e uma a cada dez tem câncer.

Apesar de intuitivamente se esperar lesão de localização cervical, as células glandulares podem ser provenientes de outros locais como endométrio, tubas uterinas, ovários, ou mesmo de qualquer órgão peritoneal e ainda de metástases. Outro fato não esperado após investigação, é a descoberta de patologias de origem escamosa. Na verdade, o achado histológico mais freqüente é NIC principalmente com extensão para criptas glandulares. Apesar de em menor percentual, lesões de origem glandular ocorrem, como o adenocarcinoma cervical e lesões precursoras. Também lesões proliferativas benignas do endométrio e adenocarcinoma endometrial, mesmo em mulheres assintomáticas, podem ser descobertos em mais de 10% das mulheres com esfregaço AGC. Deve-se lembrar a possibilidade de neoplasias extra-uterinas em mulheres sem alterações histológicas cervicais e endometriais (adenocarcinoma de ovário, câncer pancreático, cânceres metastáticos para endométrio).

Processos benignos que podem estar presentes em 27% a 50% dos casos são: metaplasia tubárica e intestinal, hiperplasia endocervical microglandular, uso de DIU, alterações reativas, reação de Arias-Stella, amostragem do segmento inferior do útero, pólipos endocervicais, adenomioma polipóide atípico, efeitos da radiação, alterações relacionadas à gravidez, endossalpingite, endometriose e endometrite.

Citologia com AGC pode ocorrer no seguimento de mulheres que realizaram conização por NIC de alto grau. Este fato ocorre devido ao encurtamento do canal e coleta inadvertida de células do segmento inferior do útero através de uso vigoroso da escova endocervical.

Até mesmo mulheres histerectomizadas podem ter este diagnóstico. A maioria possui antecedentes de malignidade e tratamento radioterápico, porém elas nem sempre estão associadas à recidiva ou patologia. Condições benignas que podem originar células glandulares em mulheres histerectomizadas são: endometriose vaginal, remanescentes de ductos e cistos mesonéfricos, adenose vaginal e prolapso das tubas uterinas.

Conduta: Apesar de vários autores afirmarem que a conduta agressiva é necessária, a avaliação e linhas de tratamento para mulheres com este diagnóstico ainda são nebulosas. Pesquisa sobre a conduta adotada perante citologia com células glandulares atípicas, mostra que quase sempre ela é conduzida erroneamente como citologia ASCUS. A subclassificação em origem endocervical ou endometrial da célula glandular não consegue fornecer orientação diagnóstica precisa. Assim podemos encontrar patologia endometrial em mulheres com diagnóstico de células endocervicais atípicas ou constatar doença cervical durante investigação de células endometriais atípicas na colpocitologia oncológica. A taxa de detecção de lesões anormais em mulheres com células glandulares atípicas aumenta a medida que são mais investigadas. Em um estudo (Kim et al. 1999), detectou-se 3,1% de lesões anormais quando utilizaram apenas repetição da citologia, 28,4% com colposcopia e biópsia dirigida; 29,7% com curetagem endocervical e 63,6% com conização diagnóstica.

Seguimento: As mulheres que apresentem AGC e investigação inicial negativa devem se submeter no mínimo a seguimento clínico rígido e por período de dois anos para conseguir detectar lesões incipientes.

Conclusão: Na avaliação de mulheres com AGC, o profissional de saúde deve ter em mente primeiramente a exclusão de patologia maligna, predominantemente de cérvice e endométrio. Todas as mulheres que apresentam AGC na citologia devem realizar colposcopia. àquelas com idade igual ou superior a 40 anos e que não revelam alterações à colposcopia se beneficiariam de um estudo da cavidade endometrial. Novas pesquisas prospectivas devem determinar quais são os melhores recursos diagnósticos para a detecção de lesões precursoras e invasivas na citologia cervical com células glandulares atípicas.